Preito a Allan Kardec
José Petitinga
Mestre, escuta-me.
São decorridos trinta anos.
Circundados de bênçãos e aureolados de glórias, tinhas tu, já algum tempo, volvido ao Espaço, a fim de dares conta da árdua missão de que foras investido pelo Cristo, quando eu, que te não conhecia ainda, achei-me um dia, vacilante e trôpego, numa azinhaga tortuosa e escura, estranho aos esplendores da Natureza, sem prever onde terminaria a escabrosa senda.
Aguçados espinhos rasgavam-me as plantas e as vestes, enquanto me fustigava o corpo mórbido a ventania rápida, ameaçando apagar a lâmpada bendita que Minha-Mãe me acendera n´alma para aclarar os meandros da tenebrosa jornada.
Eu chorava e blasfemava às vezes.
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Era angustiosa a minha situação.
A dúvida, precursora da descrença e do desânimo, abeirava-se de mim, crucitando como um abutre faminto.
Ideias confusas me assaltavam.
Gemidos e imprecações chegavam-me aos ouvidos, misturados com gargalhadas sardônicas e palavras cínicas, cheias de ateísmo revoltante.
Quase a minha frente, numa curva do caminho, vi subitamente desenhar-se um precipício hiante, que mudamente me convidava ao repouso, e que para minha imaginação doentia, tinha a forma de um grande zero.
Que seria aquilo: delírio ou sonho?
O vestíbulo da loucura ou o Calvário da razão?
Ah! Era talvez o conluio de todas as faltas por mim cometidas nas encarnações passadas, apresentando a um tribunal que eu desconhecia o seu libelo acusatório.
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Um braço forte me deteve e uma voz segredou-me: 'LÊ', enquanto mão amiga apresentava-me o Livro dos Espíritos.
Li e fiz que outros lessem.
A azinhaga continua a ser tortuosa e cheia de espinhos, mas é menos escura; e aos
esplendores da Criação, já não soa indiferente como outrora.
Para curar as feridas dos acúleos, tenho o bálsamo da Resignação.
A nortada impetuosa me fustiga, as vezes, mas da Paciência, os brandos zéfiros também me acariciam.
A fé que Minha-Mãe me acendera na alma é hoje mais intensa, porque tem o raciocínio por esteio.
Ainda choro; mas não blasfemo nunca.
A sede e a fome que me torturavam, diminuem à proporção que recebo os clarões do EVANGELHO.
Creio, espero e amo.
E é a ti, ó grande Mestre, que isto devo. A tua esmola de luz me redimiu.
A doutrina do Maior dos Mestres, que tu, seu enviado, espalhas por todo o planeta, regenerá-lo-á em breve, fazendo desta penitenciaria lôbrega a morada dos mansos, conforme a promessa contida no Sermão da Montanha.
Ave, Mestre!
Recebe nestas palavras o agradecimento de uma alma que salvaste.
REFERÊNCIAS
PREITO a Allan Kardec. Revista Reformador, Rio de Janeiro, FEB, Ano XXXV, n.19, p. 312-313.
Trechos extraídos do texto Tributo a Kardec